Um dos resultados da sessão foi a declaração Água e Espiritualidade, entregue ao presidente do Conselho Mundial da Água
ASSESSORIA INTERNACIONAL, COM INFORMAÇÕES DA AGÊNCIA BRASIL E DO FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA
Um ritual de consagração da água marcou a abertura da sessão especial “Água e Espiritualidade: o encontro do sagrado com a vida”, nesta quinta-feira (22), no 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília. Em um auditório lotado, onze lideranças discutiram a relação da humanidade com a água por meio de conhecimentos ancestrais, tradicionais, sagrados e filosóficos.
O espaço rompeu os debates formais sobre recursos hídricos no mundo e permitiu a discussão de aspectos subjetivos da relação da humanidade com a água, por meio de ensinamentos do budismo, cristianismo, espiritismo, islamismo, das tradições indígenas, de matrizes africanas e outras matrizes religiosas e filosóficas. Veja como cada entidade manifestou a relação entre água e espiritualidade:
Budismo
O líder do templo Shin budista Terra Pura, monge Sato, afirmou que o contato com a água implica sempre em regeneração – tanto espiritual quanto física – e que ela não pode ser tratada como mercadoria. Segundo ele, a água é fonte de todas as possibilidades de existência.
“Não podemos ver a água como um bem de consumo”, disse o monge. “A religião deve ser a grande incentivadora da espiritualidade, na sua diversidade de cultos. Os religiosos devem respeitar a formação cultural do outro – se está voltado para o bem comum. Eu recuso a ser mercadoria”, completou.
Para o presidente do Conselho Superior dos Teólogos Islâmicos do Brasil, sheik Abdel Hamid, a água é um instrumento de purificação enviado por Deus. Segundo ele, é necessário que a humanidade volte para o caminho ensinado por Deus, como a ética, moralidade, boa conduta, justiça e o bom caráter.
“Deus dá água material porque se não tem água não há vida”, disse Hamid. Segundo a filosofia exposta pelo sheik, a água espiritual é mais importante do que a material porque é uma forma de conexão divina”.
O cristianismo foi representado no evento por dois líderes religiosos: Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e bispo auxiliar de Brasília, e Vagner Pagani, pastor da comunidade evangélica Sara Nossa Terra, representando o Bispo Rodovalho.
Dom Stein citou o papa Francisco, que defende o cuidado e o cultivo na encíclica sobre ecologia.
Para ele, a sociedade deve mudar a relação que tem estabelecido com a água e inverter a lógica de consumo para cuidado.
“[Não posso tratá-la como] uma criatura que me serve, que está quase à minha disposição ou como vemos hoje nos relacionamentos com a água da forma como lidamos com dinheiro, com entrega, com dominação”, disse. “É preciso uma nova compreensão de relação com a água, que deve ser essencialmente de cuidado”, completou.
O bispo auxiliar ainda lembrou a importância da tradição judaica, segundo a qual “todas as coisas nasceram da água”. O rabino Soetendorp, que viria dos Países Baixos para participar da sessão, não pode comparecer devido a problemas de saúde.
Já o pastor evangélico Vagner Fagani ressaltou que é necessário ter uma postura responsável diante de um bem deixado por Deus aos homens.
“É preciso ter uma responsabilidade com aquilo que Deus deixou. Cuidar daquilo que é a fonte de vida. É um recado muito forte, a Bíblia é muito clara no que diz respeito a relação que temos que ter com a água. A água é a fonte”, disse. Cuidar daquilo que Deus deixou é uma responsabilidade nossa. É mais do que pensar que sem água eu não sobrevivo, é cuidar de algo que é divino, que Deus deixou para nós. Não é uma relação de precisar, a Bíblia é tão clara sobre isso: nós não precisamos da água, nós dependemos da água. Nós não precisamos de Deus, nós dependemos dele”, afirmou Fagani.
Para o representante da Federação Espírita de Brasília (FEB), Arismar León, a sociedade vive um momento importante na vida da humanidade “em que vamos decidir para que lado iremos”. Segundo ele, as pessoas têm valorizado excessivamente os bens materiais e negligenciado aspectos sagrados e espirituais.
“Quais são os valores que sustentamos – se formos refletir a respeito vamos chegar à conclusão que os valores da sociedade vigente são os valores materiais – cultivamos os valores materiais como se fossem únicos”, disse León. “A fé é uma atitude de humildade, de negarmos o eu, o ego, e passarmos a viver os desígnios do real criador, aquele que a tudo criou. (…) Não somos seres humanos em uma experiência espiritual, somos seres espirituais em uma vivência humana, isso é muito maior, mais significativo, muda com o sagrado, com a água que nos dá a vida, nos dá energia”, assegurou.
Nas tradições indígenas, a água se faz presente como sagrado feminino. “A água é o berço. A água precisa ser reconhecida como sujeito de direitos”, disse Tainá Marajoára, uma jovem liderança. Maria Alice Campos Freire, representante do Conselho das treze avós indígenas, declarou que a “água revela verdades trancedentais”. Quando ela queria ensinar a suas filhas e netas algum ensinamento, ela as levava para beira do rio, para que olhassem a correnteza, com suas curvas e redemoinhos. “De onde vem e para onde vai a água é um mistério. Assim é nossa vida.”
Líder da Casa de Oxumarê na Bahia, Babá Pecê disse que nos terreiros de Candomblé é costume agradecer pela água usada e que, para eles, a água é repleta de símbolos do sagrado. A Ekedji Rose Mary, também líder na Casa, acrescentou que “todos viemos do útero e na água somos criados”. Na abertura do evento, ambos realizaram uma cerimônia tradicional, na qual ressaltaram o papel da terra como mãe, e da água como útero da humanidade.
Também participou do encontro o antropólogo e reitor da Universidade da Paz, Roberto Crema. Ele lembrou que “a água nos ensina e nos renova”, e que a paz é o oposto de estagnação. “Os recursos para mudança estão dentro de cada um de nós, afirmou.
O painel foi realizado pelo governo de Brasília e contou com a mediação da primeira-dama e colaboradora do governo, Márcia Rollemberg. Segundo ela, a sessão foi idealizada com o objetivo de promover “a construção de uma experiência de mais respeito pelo ato de compartilhar, a começar pela água e pela expressão da fé de cada um e de todos, com respeito e união”. O governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg, prestigiou a sessão.
Encaminhamentos
Ao final do painel, as lideranças presentes assinaram a declaração “Água e Espiritualidade: o encontro do sagrado com a vida”. Os participantes afirmaram o compromisso com o compartilhamento da água e o tratamento dos recursos hídricos como elemento símbolo de união e de respeito à diversidade. A primeira-dama ressaltou a necessidade de que o tema seja levado à discussão nas próximas edições do Fórum.
O documento foi entregue pela colaboradora do governo ao presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, na cerimônia de encerramento do 8º Fórum Mundial da Água.
FOTO DE CAPA: WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL
GALERIA DE IMAGENS: TONINHO TAVARES/AGÊNCIA BRASÍLIA
SERINTER
QI 11, Conjunto 09, Casa 09 – Lago Sul/DF, CEP: 71625-290 Telefone: (61) 3961-1728 serinter@buriti.df.gov.br